quinta-feira, novembro 30, 2006

Marca Portugal I

Em entrevista ao MktOnline.net, Frederico D'Orey fala, sem reservas, dos quatro anos que esteve à frente do projecto Marca Portugal.

MktOnline.net - Recentemente em Portugal, Jack Welch afirmou que "Portugal é visto como um país em contínua degradação e declínio, ao longo dos últimos anos". No Fórum Marcas, Marketing e Brand Building, Basílio Horta referiu que a imagem que os estrangeiros têm do nosso país é negativa mas está desfasada da realidade. Considera que há, realmente, um desfasamento entre a percepção da imagem do país e a realidade?

Frederico D'Orey - Já em 99, quando se fez o projecto da Marca Portugal, esse diagnóstico foi feito e só confirma os pressupostos do mesmo. A percepção de Portugal estava, de facto, desfasada da nossa realidade. Portugal de então tinha evoluído muito, Portugal tinha feito a Expo 98, tinha entrado no mercado comum europeu, tinha aderido ao euro, estávamos numa fase positiva do país e, no entanto, a percepção que se tinha de Portugal ainda não era essa, era a percepção de um Portugal atrasado, de mulheres vestidas de preto.

(...) Qualquer estrangeiro que visitava Portugal naquela altura ficava surpreendido porque achava que Portugal era muito pior, não tinha visto ainda a via verde a funcionar no seu país e em Portugal já havia.

MktOnline.net - Mas se existe um desfasamento, onde é que está o problema de comunicação, na emissão ou na recepção da mensagem?

Frederico D'Orey - Quando me convidaram para ser director de comunicação e imagem da Marca Portugal, a primeira coisa que pensei foi: “Como é que se promove o país?”. E houve um administrador do ICEP que me perguntou: “Frederico, você é um homem de Marketing, como é que se vende o produto Portugal?”; ao que eu lhe respondi que a pergunta estava mal feita porque os produtos nascem, crescem e morrem e é suposto Portugal querer viver para sempre e a ferramenta de marketing que foi pensada para viver para sempre não são de facto os produtos, são as marcas. As marcas têm valores, têm pilares de diferenciação e têm princípios básicos para ir a jogo.
(...) O que era importante era encontrar quatro ou cinco eixos fundamentais e que tudo que se fizesse na promoção do turismo, na captação do investimento estrangeiro, em todas as acções de promoção externa do país, não fosse perdido sempre que mudasse um político.

MktOnline.net - Qual seria então a solução para contornar isso?

Frederico D'Orey - Na minha opinião, a solução seria que um projecto de âmbito nacional como é o projecto da marca país estivesse ao nível do primeiro magistrado da nação. É um projecto que na representação portuguesa devia estar ao nível do Presidente da República, para que os vários ministérios acatassem uma decisão central. O projecto da Marca Portugal tem que ser conduzido pela nação e pelo país, quem a representa é o Presidente da República. Para mim é a única solução para o projecto Marca Portugal existir no tempo, ser implementado e ter efeitos.

MktOnline.net - Quais são os pontos fortes e os pontos fracos de Portugal enquanto marca?

Frederico D'Orey - Portugal tem vários pontos fortes. Primeiro, nós temos uma visão negativa de coisas que não temos que ter, Portugal é um país europeu, o que quer dizer que por ser um país europeu já está no conjunto de países desenvolvidos. Depois, a cultura de Portugal é uma cultura universalista. Eu costumo dizer que Portugal que se tivesse que ser pessoa era uma mulher, Portugal não é um homem, Portugal é o rosto feminino da latinidade e esse rosto feminino da latinidade permitiu que Portugal tivesse deixado um legado histórico no Brasil. Enfim, cheio de problemas sociais o Brasil mas, do Sul do Brasil ao Norte do Brasil, ninguém discute quem é brasileiro, todos eles são brasileiros. Essa capacidade de fazer unificações, essa capacidade multicultural de gerir um conjunto é fundamental, por exemplo, na construção da Europa, o que será a Europa se não for capaz de perceber as várias culturas que existem na Europa? Como é que se constrói a Europa sem a nova forma de pensar? A Europa tem que ser capaz de gerir esta multiculturalidade. Digamos que Portugal é quase o primeiro país da era da globalização. Há uma característica que os portugueses não se reconhecem, de facto, mas Portugal é um país inventivo. Aquilo que nós chamamos do “desenrasca à portuguesa” é inventividade. É capaz de encontrar soluções, soluções “taylor made”. Quando a Prada quer fazer óculos, pode ir a vários países mas se for uma pequena série só em Portugal é que lhe vão fazer esses óculos. Essa capacidade inventiva de fazer soluções à medida, num Mundo cada vez menos planificado, é um factor de clara diferenciação. Portugal é um país europeu, universalista, inventivo e que tem uma larga experiência global.

Eu penso que os pontos fracos de Portugal têm a ver com o nosso problema da baixa auto-estima. Porquê? Porque a baixa auto-estima traduz-se numa falta de crença em que se é capaz de fazer. Eu até costumava brincar, quando falava no projecto da Marca Portugal, que a grande diferença entre um porteiro que está em Silicon Valley, à espera que apareça o Mr James que vem no seu Lincoln Continental… Ele vem no seu Lincoln Continental e diz: “Hello Mr Jonh. How are you today?”; e ele diria: “Estou bem Mr James.”. Quando passa a limusine, ele diz “Um dia destes, hei-de ter uma limusine como a tua”. Em Paços de Ferreira, o Sr. Carvalho e o Sr. Silva… O Sr. Silva está na recepção e vinha o Sr. Carvalho com o seu Mercedes Benz. O Sr. Silva estava a comer na marmita, à porta da fábrica, olhava e dizia: “Ó Sr. Carvalho está bom? E os meninos? Ainda ontem os vi na igreja.”; e o Sr. Carvalho dizia: “Ó Sr. Silva está bom? Como é que vai isso?”. Quando passava, o mesmo porteiro diria “Um dia destes, vais estar a comer na marmita como eu!”. Esta dupla atitude faz com que um invista no empreendedorismo e o outro invista na destruição. Portanto, a inveja é o valor menos económico que existe. É uma energia dirigida a destruir o que o outro faz.

Para ser mais diplomático, diria que há uma certa passividade na nossa cultura, temos uma cultura reactiva, o que leva a uma má gestão e a uma certa incapacidade de assumir riscos. Por outro lado, temos uma grande dificuldade em planear, nós não temos uma cultura como os alemães de indústria. Nós somos um povo que ia ao Brasil buscar pão santo, ia vendê-lo para outro sítio, as especiarias vinham do Oriente... Portanto, temos uma cultura de transporte que nos leva a ser imediatistas. O segundo grande eixo negativo a um eixo cultural é uma certa dificuldade dos portugueses de planear, até porque recorrem sempre a uma qualidade que é o inventivismo, é a sua capacidade de fazer as soluções no momento, o que dificulta quando se fala de indústria, de coisas planificadas.

Eu diria que o principal erro da nossa marca é a inveja e o derrotismo, que são características da nossa cultura, que só se combatem com auto-estima, fazer com que os portugueses acreditem em si e nos seus projectos.

MktOnline.net - E no seu ponto de vista, qual devia ser o posicionamento de Portugal?

Frederico D'Orey - Portugal tem que ter um posicionamento sustentado nos seus atributos diferenciadores enquanto povo e enquanto país. O posicionamento que devemos dar a Portugal deve fazer a ligação desse país de cultura universal, dessa experiência global, associada à característica do inventivo, afectivo e empenhado.

O que eu quero dizer com isto? Os portugueses de facto não são apaixonados, os espanhóis são apaixonados, “olé” é uma palavra de Espanha, de facto são o povo da paixão, nós somos dos afectos, nós amamos, eles apaixonam-se. E estes valores que eu escrevi uma vez na Marca Portugal são interpretações criativas do conceito de posicionamento. Portugal é um povo afectivo, numa mesa, nós ouvimos atentamente o que os outros dizem e afectivamente damos-lhe espaço. Isto é um valor muito mais profundo que a paixão, Portugal deve frisar essa sua vertente poética, sensível, profunda do país afectivo e empenhado. Empenhado no sentido de que somos um povo de grandes causas, nós fomos empenhados na causa de Timor, nós fomos empenhados na descoberta do mundo, esse sentido de missão. Este é o posicionamento de Portugal, um país inventivo, afectivo e empenhado na construção de um Mundo melhor, logo relevante para quem quer viver nele. Eu até tinha uma frase que é “por mais Portugal no Mundo ou pôr mais Portugal no Mundo, se for em exportações, significa querer um Mundo melhor, mais humano, mais afectivo, mais sensível. E esse é o posicionamento emocional que o país deve ter e assim ser relevante para o Mundo.

MktOnline.net - Há diferenças entre criar uma marca comum ou criar uma marca país?

Frederico D'Orey - Há diferenças muito grandes porque uma marca industrial, uma marca de uma empresa tem um dono, tem uma voz autoritária que diz que vamos neste sentido e as pessoas vão. A marca país tem uma dimensão tão grande, com todos os sectores da economia portuguesa, toda a mobilização que é necessária fazer que implica mecanismos de articulação muito superiores. Uma marca país tem sobretudo um efeito congregador, um feito de mobilização num sentido comum. Este é o grande desigual.

As marcas fazem-se muito mais para dentro do que para fora, o fora é uma consequência do que se fez dentro. É impossível ter um hotel e dizer que é um hotel hospitaleiro se a pessoa da recepção não o for.

O processo de comunicação é um processo da marca para tornar isto mais rápido mas na verdade é um projecto de país, de cultura organizacional, que vai é ter que mexer com a educação, mexer com vários sectores num objectivo comum. É não ser só percepcionado como sê-lo. Isso é um projecto de branding sério, o resto é só comunicação.

MktOnline.net - E os portugueses são sensíveis a estas problemáticas?

Frederico D'Orey - O primeiro passo para ter um projecto de marca país bem sucedido é amar o seu povo. Amar Portugal e os portugueses é o primeiro grande pressuposto para se liderar um projecto da Marca Portugal. Os portugueses são um povo fantástico, um povo com muita capacidade de mobilização.


>> para ler a entrevista na sua integralidade aceder aqui

2 comentários:

Rosa Cueca disse...

Gostei bastante da entrevista.

Não acredito que Portugal esteja em declínio ou degradação...Talvez a imagem externa de Portugal e dos Portugueses não seja a melhor; carregada de estereótipos e adjectivos menos agradáveis.
De qq forma, como o entrevistado afirmou, o primeiro passo é amar o país e o povo. Aí é que eu considero haver bastante trabalho a fazer; muitas vezes somos nós os primeiros a desvalorizar-nos.
Não consigo conceber uma estratégia desta magnitude sem trabalhar o que é interno. Parece-me algo como tratar um espirro com antibióticos; progressivamente reduzimos as nossas defesas e concerteza não saímos mais fortes a longo prazo.

Domingos Pereira disse...

pomover um hotel de luxo sem o ter é como mudar de rosto à espera de mudar a personalidade